quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Carta das Profundezas- I

Caro aprendiz Uxe. 
Veio ao meu conhecimento que você quase perdeu uma alma para Ele. Temendo o que possa acontecer em seguida, eu, como seu chefe, devo cuidar imediatamente desse seu erro para não permitir que isso aconteça outra vez.
Após tentar entender o que aconteceu, cheguei à conclusão de que você ignorou algo importantíssimo que lhe ensinei logo no início de seu aprendizado: o uso da emoção e do tempo. Ele levou a sua vitima a pensar nas Promessas d’Ele. A vitima quase se converteu. Se não fosse a intervenção de Uxecave, ela teria tomado uma decisão que prejudicaria todo o seu trabalho.
Houve uma ocasião em que eu também passei por uma situação semelhante com uma dos minhas vitimas mais fiéis, que, aliás, era ateu. Eu nunca pensei que poderia chegar tão perto de perdê-lo para Ele. Tudo aconteceu num dia como outro qualquer, enquanto ele lia um livro que encontrou por acaso na biblioteca de sua cidade. De alguma forma, aquele livro foi usado pelo Espírito d’Ele para fazê-lo pensar, e, por alguns instantes, vi minha vitima considerando o que havia lido e, aos poucos, se afastando de sua crença ateística que tanto prezo. Quase pude ver os meus vinte anos de intenso trabalho se esvanecer como fumaça.
Eu sabia que não havia muito que eu pudesse fazer naquele momento, afinal de contas, é nessas horas que nós demônios sempre perdemos. Como você já sabe, o argumento d’Ele é sempre muito convincente. Então, imediatamente, resolvi atacá-lo numa área do ser humano que domino bem: sugeri-lhe que era o momento ideal para almoçar. Observe que eu ataquei imediatamente. Nós nunca podemos esperar ou deixar que o tempo passe antes que façamos uma nova tentativa. Temos que tirar excelente proveito do nosso tempo.
Tenho certeza de que o Inimigo contra-atacou com sugestões de que aquilo que ele estava lendo era mais importante do que a sua refeição (como você sabe, nós nunca conseguimos ouvir o que Ele fala com as pessoas, não é mesmo?). Pensando ter sido esse o Seu argumento, fiz surgir a ideia de que, “de fato, aquela leitura era mais importante do que a refeição e por isso deveria ser feita num momento mais apropriado, e não num finalzinho de manhã”. Meu paciente despertou consideravelmente; tanto que, mal eu havia sugerido que “seria melhor recomeçar a leitura após o almoço, quando sua mente estivesse mais fresca”, e ele já estava metade do caminho em direção à porta de saída.
Uma vez que ele chegou à rua, a batalha foi ganha. Mostrei-lhe muitas coisas que estavam acontecendo ao mesmo tempo: os trágicos eventos mundiais nas manchetes dos jornais, um idoso bêbado olhando para ele sem motivo algum, uma adolescente vestida com uma roupa muito sensual sentada ao seu lado no ônibus, e tantas outras coisas que o distraíram e o fizeram esquecer as coisas escritas naquele livro. Quando finalmente chegou a casa para almoçar, as suas velhas e brilhantes concepções acerca do Inimigo e da vida eterna já haviam retornado aos seus lugares.
É por isso que devemos agir imediatamente quando o perigo se aproxima. Se eu tivesse esperado um pouquinho mais, eu provavelmente o teria perdido. É extremamente importante que você aprenda esta lição. Todas as vezes em que você perceber uma situação de risco da parte do Inimigo, rapidamente traga à baila fatos do dia a dia para que as Palavras e os Argumentos do Inimigo sejam esquecidos ou deixados de lado.
Considere a principal ferramenta do Inimigo: a Sua Palavra. Se você conseguir que o seu paciente se esqueça dela ou que não gaste tempo meditando nela para benefício próprio, você já está um passo à frente d’Ele.
Atenciosamente,
Apolion
Chefe de Legião
(baseado no livro 'Screwtape' por C.S. Lewis)

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