quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O gênero da Bíblia


A Palavra Sagrada está bem longe de ser um livro de autoajuda ou religião.

Dia desses, estava eu vasculhando algo interessante na internet e topei com uma das famosas charges da bem conceituada revista norte-americana The New Yorker. 
Peter Steiner, habitual naquelas páginas, desenhou um senhor de óculos que pedia ajuda a um funcionário de uma livraria sobre um livro que procurava. Ao que o atendente respondeu, procurando no estoque pelo terminal de computador, algo mais ou menos assim:
– A Bíblia... Pode estar na categoria “autoajuda”.
Pode? De certo modo, sim. De outro, não.

Será que a Bíblia, escrita durante milhares de anos por tanta gente diferente e, a despeito disso, com bastante coerência, sob inspiração de Deus, se encaixa mesmo em um gênero literário? Em vários? Em nenhum?

Vamos ver autoajuda, já que Steiner brincou com isso – claramente, como é de costume na New Yorker, para suscitar no leitor uma reflexão inteligente. O gênero é bastante rejeitado por leitores mais exigentes, que acham que não passa de engodo – e muitas vezes é mesmo. Contudo, a intenção de fazer com que a pessoa ache em si a solução para contrariar deficiências de sua própria vida – amor, dinheiro, sucesso, etc. – não está lá muito de acordo com a Palavra Sagrada. Ela ensina que somos completamente dependentes de Deus (João 15:5).

Claro que, a partir dEle, podemos ter mais forças para a constante luta pela vida verdadeira. Mas sem aquela coisa besta de “o universo conspira a seu favor”. Caso não tenha percebido, você é só uma parte dele, e ele existe para todos.E o ser humano  foi feito para ser servo de Deus,o criador,e não do universo,a criatura(joão 1:1-3).
Outras coisas podem tirar a Bíblia da prateleira da autoajuda, já que o gênero costuma pregar que a felicidade pode estar só nas conquistas materiais e na autossatisfação.
Estaria a Bíblia na seção de medicina? Não. E sim, pois ela fala ao povo, e já faz milênios, que  comer certas coisas faz mal á saúde, que a higiene é primordial e que a circuncisão no oitavo dia é o ideal.
Na estante de Ciência? De novo, não. E de novo, sim: ela já mostrava que a terra era redonda, falava   ciclo da aguá e que existia uma coisa chamada lei da gravidade.


Biologia, talvez? Fala a respeito dos animais, plantas, micro-organismos (ainda que indiretamente) e do próprio homem.
É um livro de história? Pode não ser. E pode ser: vemos nela a formação de impérios e suas conquistas (e quedas), das origens da escrita, do uso do fogo, das ferramentas, períodos de guerra e paz.

Arquitetura e decoração? Não só isso, e também isso. Deus disse claramente a Moisés como queria o Tabernáculo, ditando até mesmo medidas, materiais e cores, e dotou homens como Bezalel da habilidade necessária.
Engenharia naval? Bem, Noé recebeu do próprio Criador as medidas e materiais da grande arca que salvou a ele, seus familiares e animais do Grande Dilúvio.

Uma crônica de costumes? Nas Escrituras vemos a descrição de rituais, de hábito do cotidiano,vestuário e até festa.
Geografia? Aparecem claramente divisões de Estados, abrangência de reinos, migrações, diferenças físicas eidiomáticas dos povos do mundo civilizado então conhecido.

                                                                                 

Romance? Não são raras as passagens em que vemos homens e mulheres travando verdadeiras batalhas
 para ficar ao lado das pessoas que amam e constituir família com elas – ou permanecendo com elas
 mesmo quando há algo que aparentemente desagradasse um cônjuge.
Poesia? Salomão falou bem bonito em Cânticos, mostrando que havia algo bem além de sexo e sedução 
entre um homem e uma mulher.

Música? Os salmos, para quem não sabe, são letras de canções entoadas em louvor a Deus. Davi (ao lado) sabia matar gigantes, conquistar reinos, mas também era bastante famoso por tocar harpa, e muito bem. Compunha suas orações musicadas ao Senhor.
Quadrinhos? Não e sim. Não era (mas hoje também é) contada no estilo da chamada “nona arte”, os desenhos sequenciais com diálogos. Mas também tem homens que receberam habilidades de Deus que vão bem além das capacidades humanas. Bichos falantes. Tem vilões. E tem aqueles que, embora heróis, também cometem atitudes às vezes vilanescas – que podiam, entretanto, buscar o perdão de Deus.

Suspense? Terror? Olha... Quem achar que crianças exterminadas em uma noite e pragas são coisas agradáveis, me conte. Mas tudo isso tem um sentido, claro, como tudo na Palavra.
Policial, espionagem? Espiões de alguns reinos se infiltravam em outros. Agentes duplos não faltavam. Houve até um que recebeu dinheiro para entregar seu Mestre, “dedurando-o” ao inimigo, bem antes de existir CIA, KGB e 007.
Reportagem? Quem descreveu a épica batalha de Davi contra Golias, por exemplo, pode ser considerado um dos primeiros correspondentes de guerra da história. Ele descreve as estratégias, os equipamentos, o terreno, a conjuntura política. O percurso de Jesus pela Via Dolorosa foi relatado em detalhes e, que eu saiba, não havia ninguém lá com o crachá de “imprensa” cedido pela assessoria de comunicação do Império Romano para acompanhar e transmitir em flashes ao vivo pela CNN a execução do Messias.


Diante disso tudo, podemos crer que não há um gênero específico para o livro mais lido em todo o planeta. Ao mesmo tempo, ele se encaixa em vários – estes citados e muitos outros.
Mas, claro, fica bem mais fácil para nós irmos até a seção “Religião” de uma grande livraria, ou “mega store”, como gente mais metidinha gosta de falar. Isso pode até não estar certo – viver com Deus está muito longe de ser mera religião –, mas até que ajuda na localização na hora de comprar. Só por isso, é útil.

Após mais uma Bienal do Livro, até que é interessante falarmos aqui de um título que não é exatamente um lançamento – porém, sempre foi e será atual.









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