terça-feira, 11 de setembro de 2012

As quatro pétalas da Rosa

Rosalina: "Não passou muito tempo depois daquele dia, finalmente, para que eu visse quem, de fato, era o homem carinhoso e encantador com quem dividia a minha casa".

As quatro pétalas da Rosa narra a história de quatro mulheres que se conhecem parcialmente, e que possuem, além do nome, outra coisa em comum: a violência doméstica. No entanto, uma não conhece esse segredo da outra e, por sofrerem caladas, acabam tendo finais completamente diferentes. As quatro pétalas são as quatro mulheres representadas por uma das mais significativas flores que existem, a rosa. As pétalas formam um todo, mas, individualmente, e sem proteção, são fracas e morrem.
Nunca fui feliz. Até hoje não sei o que é felicidade. Mas, naquela época, pensei que fosse. Durou muito pouco essa falsa sensação. Dois dias, na verdade, quando o meu primeiro marido entrou bêbado pela porta. Ele me olhou e viu outra pessoa. Viu um ser asqueroso, um inseto nogento em sua frente. Nem esperou eu dar um passo atrás, arremessou o punho cerrado no meu rosto. Caí desnorteada, mais pela atordoação de não conseguir assimilar a agressão do que pelo murro em si. Ele me xingou com palavras terríveis. Mutilou-me no coração, no sentimento e na alma. 
Por muito pouco, meu nariz não quebrou. O espelho refletia um rosto amassado, escuro, inchado. Estava quase desfigurada. Um dos meus olhos vermelhos demais, pelo choro e pela dor. Ele, depois disso, deitou-se no sofá e roncou como se muito cansado estivesse. Quando amanheceu o dia, fui em busca de ajuda. E na delegacia o intimaram para que se apresentasse. Foi em vão. Mas em casa jurou que não cometeria tal ato. Mais uma vez em vão.
Uma semana depois, repetiu. Agora, com motivo, ele disse. E o motivo foi que o desagradei por tê-lo chamado do bar. Ele veio, mas para o meu terror. E no chão fiquei, sentindo-me presa com cordas invisíveis. Suja, dolorosa, desamparada. E assim permanci por vários dias. Sei que já havia dito que nunca fui casada, mas, entenda-me, estava tentando apagar da minha vida o que o tempo não tem poder para apagar. Falei aquilo na confiança de que se ocultasse parte do meu passado, no oculto ficariam também esses tristes episódios. Mas, descobri aqui dentro da prisão que não posso transformar o que deixei para trás, mas torná-lo aceitável se pensar em mudar meu presente e futuro.
Bom... Mais tarde, descobri que ele estava usando drogas. E, por não conseguir conciliar seu vício com o que ganhava como pedreiro – bom pedreiro por sinal, já que nunca lhe faltava serviço –, foi morto antes de chegar à esquina de casa. A dívida dele com os traficantes foi paga, e a que tinha comigo ficou em aberto. Nunca consegui esquecer as surras, as humilhações, as palavras ofensivas. Por isso jurei apagá-lo da minha memória. Por isso disse a mim mesma, mesmo sem articular uma sílaba, que jamais voltaria a passar pelo que passei novamente. E por isso me fechei para o amor e, depois de anos, aparece o Jorge, após conseguir reconstruir a minha pacata vida.
Tudo isso falei àquela jovem que novamente apareceu na minha cela querendo conversar. Nesse dia não queria. Ela insistiu sem falar, apenas apertando os lábios como se estivesse decepcionada. Vi que ela estava interessada, talvez quisesse realmente me ajudar – ou talvez fosse uma curiosa com interesse somente em minha história... De qualquer maneira, cedi. E, sem perceber, descobri que quem estava sendo ajudada era eu, com meus constantes desabafos, porque parece que metade do meu fardo saía das minhas costas sempre que abria o meu baú secreto onde estava toda a minha essência.
Então, continuei a falar-lhe sobre o Jorge. Homem encantador. Estava naquela pequena cidade como um turista, mas ficou bem mais tempo do que pretendia. Nos relacionamos, e depois de alguns meses fomos morar juntos.
Passei 1 mês de grande felicidade. Sempre que chegava em casa, era recebido com a mesa posta, a refeição pronta, a casa limpa e cheirosa. O aroma de flores estava por toda parte. Eu gostava de flores, o meu quintal era repleto delas. Às vezes sentia-me só por ele viajar muito. Jorge era caminhoneiro.
Propus, uma vez, que casássemos no papel.
- Pra quê? Já somos casados.
- Mas não de verdade...
- Ah, para com isso!
Aquela frase veio carregada de tom ameaçador. Ele ficara aborrecido, senti. Não insisti mais. Não passou muito tempo depois daquele dia, finalmente, para que eu visse quem, de fato, era o homem carinhoso e encantador com quem dividia a minha casa.

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